Texto das duxers Fabiana Leal de Mello Sousa, Miriã Antunes e Rebeca Pizzi Rodrigues
No dia 9 de dezembro aconteceu a última conferência do Fronteiras do Pensamento 2020 e a responsável por encerrar o evento foi a escritora e jornalista Isabela Figueiredo, relevante nome no cenário da literatura portuguesa contemporânea, sendo reconhecida como umas das principais escritoras lusitanas da atualidade.
A escritora, nascida em Moçambique, é filha de pais colonizadores, experiência que ela narra em seu romance autobiográfico Caderno de memórias coloniais, publicado em 2009. Na obra, o tema da sociedade colonialista da época se entrelaça com as descrições do convívio com o pai, um homem racista. Outra obra de destaque da autora é o livro A gorda, publicado em 2016, sucesso de vendas e crítica, no qual ela explora questões de autoimagem e preconceito. A autora é bastante franca ao dizer que a obra é baseada em sua experiência pessoal após a eliminação de 40 quilos. A narrativa aborda sobre identidade, gênero, sexo, padrões estéticos, relações sociais e gordofobia, em uma mistura entre ficção e realidade.
Isabela relatou em sua conferência que é uma escritora compulsiva e que começou escrevendo para si, como uma forma de buscar o outro, sem medo. Ela acredita que a ausência do medo é a forma de mudar o mundo: “Se não saímos de casa, não vemos os outros. Precisamos sair para construir a arte”.
A conferencista afirmou ter consciência do impacto que suas palavras, eventualmente duras, geram em seus leitores e ouvintes, mas argumentou que às vezes é necessário falar de coisas que não gostamos para que possamos refletir e mudar o que identificamos que precisa ser modificado.
Em sua fala, Isabela convidou seus espectadores a repensarem a existência humana de uma forma mais igual para todos, começando pela reflexão acerca do colonialismo e do racismo. De acordo com ela, tais estruturas de poder são difíceis de serem rompidas, pois se alicerçam em um processo cíclico de exploração. Porém, é possível reconhecer alguns pequenos avanços: “Estamos vivendo um tempo em que as pessoas não brancas são gente, que elas podem falar, dar sua opinião. Um tempo onde as pessoas não brancas podem dizer o que sentem, tem liberdade de expressão, e podem comunicar suas indignações.”
A autora relembrou que testemunhou toda a escravatura dos moçambicanos pelos portugueses e que a mudança está acontecendo de forma lenta. Para ela, o racismo é o medo do outro, o medo de frente. Segundo a autora, a humanidade levou muito tempo para chegar até aqui e ainda terá um tempo até progredir a outro patamar.
Sobre a “reinvenção do humano”, tema desta edição do Fronteiras do Pensamento, Isabela diz que é preciso tirar o ser humano do centro: “Somos importantes cadelas a ladrar, mas não somos o centro.”
Ao final de sua fala, Isabela nos convidou a sermos positivos, assim como relembrou que em boa parte de sua vida não havia se dado conta de que era racista e que durante muito tempo olhou o mundo do lado de dentro do seu privilégio: “Não podemos aceitar a diferença entre os que têm direito a comer e os que não têm direito a comer. Foi o racismo que criou a raça, e não a raça que criou o racismo, segundo Mia Couto.”
A escritora terminou sua reflexão afirmando que nunca deixará de ser branca, mas que não podemos mais aceitar uma realidade em que os brancos são colocados na frente dos demais.
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